sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Pedido de desculpas atrasado

As recordações me vêm, de tempos em tempos; algumas estão tão escondidas que me assomam à memória e desaparecem como se fossem sem importância; mas voltam, porque é preciso colocá-las no papel, deixá-las para a posteridade... Principalmente quando deixam um gostinho de arrependimento. Sabe, Nelson, foi o que aconteceu esses dias. Lembrei-me de você, meu primeiro namoradinho. Lá se vão mais de cinquenta e oito anos... Eu com quatorze e você com dezesseis. Naquela idade tudo parecia novidade, tudo era bom, bonito e precisava ser provado. Era maio, o mês em que todas as noites íamos a Igreja levar flores para Nossa Senhora. Eu escapava do ritual e ia me encontrar com você às escondidas. Ah! Se meu pai descobrisse... Levaria umas boas palmadas... Mas, aos poucos fui enjoando da brincadeira, pois você era um garoto muito grudento. Ainda bem, porque numa das noites, ao terminar a reza, desci com a Professora Maria de Lourdes que se hospedava em casa na época das aulas. Quando fui chegando no portão, lá estava meu pai me esperando com a cinta na mão. Que susto levei! Não apanhei; ele não disse nada, mas a sua fisionomia dizia tudo. Percebi que o caso estava na hora de acabar. Não tive dúvidas. Dei o bolo, giria da época. Você, inconformado, achava que eu já estava interessada em outro. Não era verdade. Enjoei, mesmo. Lembro-me que depois, por algumas vezes nos cruzamos na rua São Luiz e que, quando estávamos na mesma calçada, você imediatamente passava para a outra, para não me cumprimentar ou olhar para mim. Percebia que sua mágoa era grande, mas, imatura como era, nem me importava ou avaliava a profundidade do seu sentimento. O esquecimento viria e curaria tudo. O tempo sempre foi um bom remédio. Hoje, avalio com um pouco mais de profundidade, muitos dos atos que pratiquei. Não sei se você ainda pertence ao mundo dos encarnados. Mesmo assim, esteja onde estiver, espero que receba, capte esse pedido de desculpas tão tardio. Me perdoe, Nelson. Talvez ainda nos encontraremos e riremos muito dessa etapa de nossas vidas. Pois é, todos os que passam por nós nessa caminhada terrena deixam algo de si. Quase sempre colocamos tudo no fundo do bau de memórias e lá fica tudo o que achamos não ser tão relevante. Mas tudo na vida o é. Espero que seja feliz e se lembre dos selinhos trocados ingenuamente atrás da Igreja. E aqui vai um para selar essa memórias...

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