quinta-feira, 5 de junho de 2008

O Homem que não sabe calcular

Desde pequena desenvolvi o gosto pela boa leitura. Lembro-me dos livros do professor de Matemática, Júlio César de Mello e Souza, que usava o pseudônimo de Malba Tahan: Lendas do Céu e da Terra, Mil Histórias Sem Fim, O Homem que Calculava... Nesse último, um calculista persa, Beremiz Samir, solucionava os mais difíceis problemas, auxiliando os que o procuravam em dificuldades. Assim como o personagem desse livro, antigamente existiam muitos calculistas: os que solucinavam problemas materiais, espirituais e até morais. Mesmo sem serem solicitados, socorriam o vizinho só e adoentado, o conhecido faminto de carinho, amor, solidariedade, os que socorriam um ferido na rua, os que davam carona sem medo de serem assaltados ou sequestrados, os que visualizavam mais além, preocupados com o próximo mais próximo e o mais distante – Einstein, Sabim, Marie Curie, Madre Tereza de Calcutá, Gandi... sem falar do mais importante – Jesus. Aos poucos, esses homens foram ficando raros. Os que mais existem, hoje em dia, são os que se preocupam em calcular, resolver os problemas que lhes são pertinentes. O pior é que são remunerados, e pelos outros, no caso, nós. São os calculadores... Os que sabem calcular, realmente, hoje em dia, são ignorados, nunca são ouvidos. É uma pena! Quem sabe se todos lêssemos ¨O Homem que Calculava¨ mudaríamos o nosso modo de ver o mundo e os problemas urgentes de solução? Quem sabe, pararíamos para refletir mais? A solução, com certeza, nos beneficiaria a todos. Boa tarde!!!!!

sábado, 5 de abril de 2008

Meus sessenta e seis

MEUS SESSENTA E SEIS
Ontem completei sessenta e seis. Como dizia minha finada sogra: “ entrei nos sessenta e sete.” Tenho a certeza de que, até aqui, vivi razoavelmente bem, tirando de toda essa vivência, bom proveito. Alguns momentos bons, outros, nem tanto, e por aí vai. Venci muitas batalhas, perdi outras, mas valeu a pena. Sei que outras virão e estou me preparando para enfrentá-las. Assim, aprendi a rever valores, a melhorar minhas posturas ante a vida, granjeei amigos, perdi alguns. Nada fiz sosinha. Nos momentos mais difíceis, os verdadeiros amigos não me deixaram fraquejar. Dentre as experiências vividas, revejo, olhando para trás, alguns fatos pitorescos, engraçados, embaraçosos. Muitos aconteceram quando eu tinha mais ou menos cinco ou seis anos de idade. Acontecia a Segunda Guerra Mundial, época de racionamento de víveres, como a farinha de trigo, o açúcar e combustíveis, como a gasolina. O açúcar não era refinado, era o mascavo, que deixava a água amarela. Eu adorava tomar água amarela. Muito paparicada pelos familiares, aproveitava para que me fizessem as vontades. Duas primas mais velhas, adolescentes na época, a Dila e a Tina, sempre nos visitavam. Moravam em Bauru e nós em Lácio, um vilarejo que não possuia luz elétrica. Era carnaval e, como de costume, mamãe me fantasiava para que eu participasse das matines. Lá se foram, então, minhas primas me levar ao baile. Cada uma tinha um “flerte”. No melhor da festa, para elas, a pentelha aqui resolveu querer tomar a tal da água amarela. Tanto apoquentei as duas, que se viram obrigadas a me levar para casa e deixar seus paqueras. De uma outra feita, só a Dila veio nos visitar. Seu paquera era o Coelho ( apelido do gajo).‘A noite, saímos para ela encontrar-se com ele. –Eu, sempre junto, segurando vela. Naqueles tempos, as moças não saiam sosinhas para namorar.. Para me agradar – ou me despistar - me compraram um “pé de moleque”, doce do qual eu gostava muito. De repente, o doce caiu. No escuro, sem luz na rua, calçada estragada, a pentelha abre o bocão. Minha prima, nervosa, abaixou-se procurando o doce. Achou! Quando o levei ‘a boca, percebi que era um pedaço da calçada. Muitos pulos e choros depois, voltamos para casa. Um namoro se fora para o brejo. Esse e outros fatos ficaram também, na lembrança de minhas queridas primas, que ainda se riem dos mesmos. Todos temos fatos pitorescos em nossas vidas e, de vez em quando, recordá-los, nos faz viver melhor.Assim, vamos aprendendo a nos dar as mãos para caminharmos juntos nos trilhos da existência. Só temos é que ter o cuidado de pular fora, a tempo, quando vem o trem!

Esse texto, escrevi em 21de agosto de 2004.

sexta-feira, 14 de março de 2008

A velha desiludida

Ela nunca dormiu com ele apesar de desejá-lo. Naqueles tempos nem existia esse negócio de ficar, transar... Era namoro e só. Parece que eles se gostavam muito, mas, apesar do amor que os unia, ambos eram volúveis. Ora ele namoricava umas, ora ela flertava com outros. Assim, o tempo passou. Amadureceram e casaram-se com outras pessoas. Primeiro, foi ela; depois ele. O marido dela nunca desconfiou de seus sentimentos pelo affair do passado. O mesmo já não se podia dizer quanto à esposa do seu ex. Essa mulher, não admitia sequer, ouvir falar da existência da outra. Então, aquele sonho da mocidade - sonhado a dois - foi amarelando em algum canto que o tempo guardou. Noites e noites se passaram. Durante anos, ela imaginou como teria sido a sua vida ao lado dele. Envelheceu esperando. Um dia, ficou viúva e as esperanças se renovaram. Falava consigo mesma: “E se ele ficar viúvo também?” Aí, se deu conta de que ambos já beiravam os oitenta. Desiludiu-se. O que adiantaria isso agora? Talvez nem chegassem às vias de fato. "Sei lá...", ela se indagava impacientemente, e concluiu ironicamente: "À essa altura da vida, talvez, ele já nem funcione mais...”

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sexta-feira, 7 de março de 2008

Ah! os seus olhos...*

Parece que foi ontem que você saiu de dentro de mim, para a luz...Ainda me lembro quando a enfermeira o levou para o quarto da maternidade e o colocou no bercinho ao meu lado. E...incrível! Seus olhinhos, lindos e negros como uma noite sem luar, buscavam tudo que havia ao redor. Já se passaram exatamente trinta e nove anos, Guto...E tive tão pouco tempo para curtí-lo como deveria:- apenas dezoito anos e meio.De repente, como numa tempestade ou ciclone, você foi tirado de mim, violentamente e levado para outros planos. Engraçado que nesses dias atrás pensava muito em você, no seu jeito de ser, em seus cabelos encaracolados; em seus lindos olhos negros e tristonhos; em suas mãos, seus longos dedos. Me lembrava de sua infância, de suas artes, de quando eu o chamava de “olhos de jabuticaba”, ou de “ espanholzinho”, por sua teimosia. Me lembrava de você jovem, mas adulto, apesar de ter apenas dezoito anos, pai de família, sentado na poltrona de nossa sala, braços esticados, mãos alongadas que haviam acabado de massagear meus pés cansados... Mãos que me traziam, no dia das mães ou do meu aniversário, um ramalhete de cravos brancos e vermelhos.
Lembrei-me de uma composição de Maisa, “ Tuas mãos...”
Ah! tuas mãos, onde estâo,
onde está o teu carinho, onde está você?
Ah! se eu pudesse buscar,
se eu soubesse aonde está teu amor, você...
Senti saudades, saudades boas, senti a necessidade de seu olhar, de suas mãos - mãos físicas - mesmo sabendo ser impossível. “ O tempo não volta”, disse o poeta Cazuza. Percebi, então, que estava chegando o dia do seu aniversário: dois de junho. Sua vida nem bem começou e foi tolhida como que num sonho mau. Mas você veio, nasceu de mim, mesmo ficando por tão pouco tempo; um tempo feliz, um tempo de amor, que valeu a pena. Através dos seus lindos olhos negros e profundos, de suas longas mãos, de sua dedicação, preocupação e cuidados para comigo, fez parte de minha vida; ficou indelével em minh´alma; ficará para sempre em mim, como uma linda tatuagem de luz.

*escrevi este texto no dia 02 de junho de 2004
- dia do aniversário do meu filho amado.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

A jardineira

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A jardineira saía sempre do seu ponto inicial, dirigida pelo Seu Miguel motorista. O destino: a cidade grande. Partia sempre lotada, pois este era o único meio de locomoção do vilarejo. No primeiro banco – o do motorista – havia dois assentos do lado direito e um do lado esquerdo. A jardineira - um ônibus semelhante aos antigos bondes abertos - era apelidada de costela de vaca, porque lembrava a ossada da pobre ruminante. Eu, nos meus parcos treze anos, fazia o antigo ginásio e me utilizava desse meio de transporte para chegar até a escola. Tinha lugar cativo, sentava-me sempre do lado direito de Seu Miguel. Nas segundas-feiras aconteciam fatos singulares no decorrer da pequena viagem: mesmo abarrotada de passageiros – alguns, inclusive, ficavam dependurados nos estribos – até determinado trecho do caminho, o assento que ficava do lado esquerdo do motorista permanecia vazio. Isto até que subisse à Jardineira, a dona Maria, uma senhora toda espevitada e tagarela. Na hora, o semblante do Seu Miguel se transformava e ele abria um sorriso matreiro, como que imaginando coisas... De quando em vez, suas coxas – a dele e a dela – inexplicavelmente, roçavam-se. Eu, na minha ingenuidade, imaginava o que aquela mulher tanto fazia na cidade. E lá se vão mais de cinqüenta anos. Quando me lembro desse fato, sempre vem à minha cabeça aquela pergunta que não quer calar: ¨O que será que a dona Maria ia fazer na cidade todas as segundas-feiras?

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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A Boliviana

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Todas as tardes, quando o sol buscava o seu travesseiro para dormir, ela saia. Não era bonita e já devia ter mais de quarenta anos. Com seu manteaux cor de ferrugem, sapatos altos, bem pintada, abria o portãozinho de sua casa e subia a rua. Não sei a que horas retornava. Naqueles tempos, na vila onde morávamos não havia iluminação nas ruas. Era uma escuridão só! Tanto que poucos se atreviam a sair após às sete da noite, principalmente moças e senhoras. Eram assediadas por homens que passavam de carro pela avenida próxima. Boliviana, como era conhecida por todos, era casada e mãe de uma filha mocinha e dois filhos adolescentes. Seu marido era um militar reformado, muito educado; parecia estar sempre em paz. De vez em quando, ele e os meninos convidavam o meu filho para apanharem amoras - não longe de casa - numa pracinha arborizada onde outrora fora pouso de tropeiros. Passou-se o tempo, nos mudamos para um outro bairro. Nunca mais a vi, ou soube de sua sorte. Só sei que, quando o sol se punha no horizonte, toda elegante e maquiada, ela deixava a sua casa. Aonde ía? Ninguém sabia ao certo. Porém carregava consigo as bençãos do marido, que certamente ornava o seu bestunto com uma enorme coroa de chifres.
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