terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A Boliviana

.
Todas as tardes, quando o sol buscava o seu travesseiro para dormir, ela saia. Não era bonita e já devia ter mais de quarenta anos. Com seu manteaux cor de ferrugem, sapatos altos, bem pintada, abria o portãozinho de sua casa e subia a rua. Não sei a que horas retornava. Naqueles tempos, na vila onde morávamos não havia iluminação nas ruas. Era uma escuridão só! Tanto que poucos se atreviam a sair após às sete da noite, principalmente moças e senhoras. Eram assediadas por homens que passavam de carro pela avenida próxima. Boliviana, como era conhecida por todos, era casada e mãe de uma filha mocinha e dois filhos adolescentes. Seu marido era um militar reformado, muito educado; parecia estar sempre em paz. De vez em quando, ele e os meninos convidavam o meu filho para apanharem amoras - não longe de casa - numa pracinha arborizada onde outrora fora pouso de tropeiros. Passou-se o tempo, nos mudamos para um outro bairro. Nunca mais a vi, ou soube de sua sorte. Só sei que, quando o sol se punha no horizonte, toda elegante e maquiada, ela deixava a sua casa. Aonde ía? Ninguém sabia ao certo. Porém carregava consigo as bençãos do marido, que certamente ornava o seu bestunto com uma enorme coroa de chifres.
.

2 comentários:

Cidinha Tavares disse...

Muito bonito o seu terxto. Comovente!

beijão

Paulo Netho

Unknown disse...

Maravilhosa e intensa Cidinha. Lindos texto e memória.

Um sorriso prá você, cheio de saudades!