sexta-feira, 14 de março de 2008

A velha desiludida

Ela nunca dormiu com ele apesar de desejá-lo. Naqueles tempos nem existia esse negócio de ficar, transar... Era namoro e só. Parece que eles se gostavam muito, mas, apesar do amor que os unia, ambos eram volúveis. Ora ele namoricava umas, ora ela flertava com outros. Assim, o tempo passou. Amadureceram e casaram-se com outras pessoas. Primeiro, foi ela; depois ele. O marido dela nunca desconfiou de seus sentimentos pelo affair do passado. O mesmo já não se podia dizer quanto à esposa do seu ex. Essa mulher, não admitia sequer, ouvir falar da existência da outra. Então, aquele sonho da mocidade - sonhado a dois - foi amarelando em algum canto que o tempo guardou. Noites e noites se passaram. Durante anos, ela imaginou como teria sido a sua vida ao lado dele. Envelheceu esperando. Um dia, ficou viúva e as esperanças se renovaram. Falava consigo mesma: “E se ele ficar viúvo também?” Aí, se deu conta de que ambos já beiravam os oitenta. Desiludiu-se. O que adiantaria isso agora? Talvez nem chegassem às vias de fato. "Sei lá...", ela se indagava impacientemente, e concluiu ironicamente: "À essa altura da vida, talvez, ele já nem funcione mais...”

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sexta-feira, 7 de março de 2008

Ah! os seus olhos...*

Parece que foi ontem que você saiu de dentro de mim, para a luz...Ainda me lembro quando a enfermeira o levou para o quarto da maternidade e o colocou no bercinho ao meu lado. E...incrível! Seus olhinhos, lindos e negros como uma noite sem luar, buscavam tudo que havia ao redor. Já se passaram exatamente trinta e nove anos, Guto...E tive tão pouco tempo para curtí-lo como deveria:- apenas dezoito anos e meio.De repente, como numa tempestade ou ciclone, você foi tirado de mim, violentamente e levado para outros planos. Engraçado que nesses dias atrás pensava muito em você, no seu jeito de ser, em seus cabelos encaracolados; em seus lindos olhos negros e tristonhos; em suas mãos, seus longos dedos. Me lembrava de sua infância, de suas artes, de quando eu o chamava de “olhos de jabuticaba”, ou de “ espanholzinho”, por sua teimosia. Me lembrava de você jovem, mas adulto, apesar de ter apenas dezoito anos, pai de família, sentado na poltrona de nossa sala, braços esticados, mãos alongadas que haviam acabado de massagear meus pés cansados... Mãos que me traziam, no dia das mães ou do meu aniversário, um ramalhete de cravos brancos e vermelhos.
Lembrei-me de uma composição de Maisa, “ Tuas mãos...”
Ah! tuas mãos, onde estâo,
onde está o teu carinho, onde está você?
Ah! se eu pudesse buscar,
se eu soubesse aonde está teu amor, você...
Senti saudades, saudades boas, senti a necessidade de seu olhar, de suas mãos - mãos físicas - mesmo sabendo ser impossível. “ O tempo não volta”, disse o poeta Cazuza. Percebi, então, que estava chegando o dia do seu aniversário: dois de junho. Sua vida nem bem começou e foi tolhida como que num sonho mau. Mas você veio, nasceu de mim, mesmo ficando por tão pouco tempo; um tempo feliz, um tempo de amor, que valeu a pena. Através dos seus lindos olhos negros e profundos, de suas longas mãos, de sua dedicação, preocupação e cuidados para comigo, fez parte de minha vida; ficou indelével em minh´alma; ficará para sempre em mim, como uma linda tatuagem de luz.

*escrevi este texto no dia 02 de junho de 2004
- dia do aniversário do meu filho amado.